sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Este País não nos merece!...


Artigo publicado no Jornal de Noticias, da autoria do jornalista Mário Crespo
Foi notável o apelo que o presidente da República se sentiu obrigado a fazer ao Governo para que se cumpra com as responsabilidades que o Estado tem com os que sofrem as consequências das guerras coloniais. A assistência aos deficientes das Forças Armadas tem sido considerada questão menor. Sucessivos governos têm aguardado que o problema dos antigos combatentes em geral e dos deficientes em particular se resolva por si. Na realidade é isso que tem acontecido. A morte prematura resolve com arquivamentos definitivos, um a um, processos protelados em burocracias complicativas, diligentemente alinhavadas para satisfazer expectativas orçamentais. Têm-se inventado redefinições dos graus de invalidez. Reavaliado o que são situações de guerra e de combate. Tudo para conseguir roubar na assistência aos veteranos. Burocratas que não imaginam o que foram as décadas de desumanização que gerações de jovens dos anos 60 tiveram que enfrentar decidem agora em termos de custo-beneficio se vale a pena rubricar nos orçamentos as verbas necessárias, ou se é de aguardar mais uns anos até que os problemas naturalmente se apaguem. Não se trata só de acudir ás deficiências mais óbvios, que infelizmente têm sido descuradas ou insuficientemente assistidas. Há graves consequências clínicas da guerra que estão a ser mantidas discretamente afastadas do foco mediático. O elevado número de antigos combatentes que padece hoje de uma forma particularmente virulenta de Hepatite C é uma dessas situações. São as vítimas directas das vacinações em massa sem seringas descartáveis, que eram norma nas Forças Armadas até bem dentro da década 70. Centenas de milhar de jovens foram injectadas nas piores condições sanitárias possíveis. Era usada a mesma seringa colossal de uns para os outros. Apenas substituíam as agulhas que depois de fervidas voltavam a ser reutilizadas. As hipóteses de contágio eram máximas. A Hepatite C é assintomática durante dezenas de anos, até os danos no fígado serem irreversíveis e, numa alta percentagem, fatais. Nunca houve um programa de rastreio sistemático dos antigos combatentes. Mas já houve muitas mortes. Sei de várias e de casos em que, face a diagnósticos positivos em militares de carreira, não foram recomendadas medidas terapêuticas no próprio Hospital Militar. Porquê? Pode haver várias respostas. Que o tratamento é difícil e muito penoso. Que pode ser falível. Tudo verdade, como também é verdade que a despistagem e o tratamento são caríssimos e seria impensável nos actuais orçamentos de defesa torná-los extensivo aos sobreviventes da guerra colonial. Este é só um exemplo de consequências ignoradas da guerra que são responsabilidade do Estado. Haverá milhares de vítimas se se mantiver a ligeireza fútil e desumana como o problema tem sido encarado em democracia. Atitude que em nada se distingue da bestialidade com que, em ditadura, se enviaram gerações sucessivas de jovens para conflitos absurdos. Um pormenor mais. O mesmo governo que disponibiliza verbas significativas para assistir drogados contaminados em trocas de seringas descartáveis, já pagas pelo Estado, não considera prioritário destinar pelo menos o mesmo montante para assistir em hospitais militares antigos combatentes que padecem dos males que involuntariamente contraíram sem se drogarem.

Um comentário:

Mário Lima disse...

Em 100 só um será Comando. Eu fiz parte dos 99.

Obrigado Políbio pela informação quanto ao meu Curso e à Companhia que foi formada após a sua conclusão.

Graças a vários contactos, consegui saber que o meu curso era o 27º e a Companhia formada foi a 2044ª.

Já está referenciado tudo isso neste meu blogue dedicado a esses tempos.

http://voluntastuavictoriatua.blogspot.com/

Infelizmente ainda não consegui encontrar ninguém dos que estão nas fotos pois serão os únicos que ficaram na lembrança devido a ter fotos deles.

Passados estes anos, mesmo olhando para as fotos dos convívios dos Comandos da 2044ª, não há qualquer hipótese de reconhecer seja quem for pois já não somos os jovens de outrora e eu demandei para outras paragens depois de ter saído do C.I.C.

No entanto as lembranças desse tempo estão nesse meu blogue. É afinal o que me resta!

Um abraço para os Comandos da 2042ª e um Bom Ano para todos!

Sobre este tema. O que se espera de políticos que a única "guerra" que fizeram foi à sombra da bananeira da Assembléia da República? Para eles nada falta e como tal que tenham um bom enterro e que a terra lhes seja leve.

Tudo de bom!